Pouco conhecemos de Portugal. O país nos "descobriu", colonizou e empresta, além das bases fundamentais do nosso idioma, centenas de outros hábitos. Em geral, quando se pensa no país do Além-Mar, lembram sempre de duas coisas: bacalhau e padarias.
Obviamente, Portugal é muito além dos estereótipos, com seus dramas, conflitos, prazeres e especifidades quase sempre estranhos a nós que estamos do lado de cá do Atlântico. De uma conversa com meu amigo Luiz Nascimento, surgiu a ideia de criar uma série de postagens especiais que desmistifiquem, quebrem estereótipos e nos aproxime de nossa mais forte matriz europeia.
O primeiro texto falará sobre o momento atual da política pelas terras lusas. Meu agradecimento especial ao Luiz pela disposição em nos guiar por essa expedição a Portugal! Boa leitura!
O momento político de Portugal muito além das últimas eleições
Antes de tudo gostaria de agradecer ao Diego Moura - responsável pelo blog - pelo convite que recebi para escrever sobre Portugal aqui neste espaço. A idéia surgiu de uma conversa sobre o atual momento político de Portugal e algumas curiosidades que o envolvem, estranhas aos brasileiros, que não chegam até aqui, sobre o que se passa por lá e também sobre como os portugueses de cá - especialmente de São Paulo – acompanham o que se passa em sua terra natal e fazem valer sua enorme representatividade, a qual muitos brasileiros desconhecem.
Neste primeiro texto dessa série que pretendemos fazer sobre a desmistificação de Portugal, falarei exatamente sobre o atual momento político luso, talvez o assunto mais recente que logo vem à mente dos brasileiros quando se pensa em Portugal. Nessa série falaremos dos mais variados assuntos, este primeiro um pouco mais sério. Minha intenção não é a de me colocar como um analista político e nem como militante de quaisquer lados da política portuguesa, apenas pretendo tentar explicar de forma mais aprofundada – o contrário do que fez grande parte da mídia brasileira na cobertura das últimas eleições legislativas – a realidade política de Portugal, muito além dos resultados das eleições.
Eleições
A importância que a mídia brasileira deu às últimas eleições legislativas de Portugal, que elegeu um novo primeiro-ministro após a renúncia do que lá estava desde 2005, foi centrada no fato de que o povo português optou pela direita. Unindo essa interpretação superficial ao momento político do restante da Europa, que aos poucos volta a guinar à direita, deu-se muita importância a este fato de que Portugal caminha no mesmo sentido.
[caption id="attachment_2096" align="alignleft" width="420" caption="José Sócrates"]

A grande verdade não é essa. José Sócrates, primeiro-ministro de Portugal desde 2005 e líder do Partido Socialista, renunciou ao seu cargo e fez que novas eleições fossem convocadas, o mesmo perdeu o pleito para Passos Coelho, líder da oposição, pertencente ao Partido Social Democrata.
Em primeiro lugar, há que se levar em conta que não estamos falando de extremos ideais políticos. Os dois principais partidos de Portugal são o PS e o PSD. O PS de José Sócrates representa a centro-esquerda portuguesa, mesmo porque os esquerdistas extremistas sequer o apoiaram nestas eleições. Do outro lado, há que se considerar que o PSD de Passos Coelho representa a centro-direita portuguesa, não por seus ideais, mas por haver também o CDS, que são os democratas cristãos, assumidamente direitistas. Mas o grande erro em se falar que Portugal guinou-se à direita da mesma maneira que o restante da Europa não está aí, mas sim em analisar a realidade eleitoral de Portugal.
[caption id="attachment_2097" align="alignleft" width="400" caption="Pedro Passos Coelho"]

Caminhos difíceis
Tivemos nessas eleições a maior abstenção da história democrática do país, 41,93% dos portugueses aptos a voto sequer foram às urnas, sendo que mais 4% votaram em branco ou anularam o voto. Temos aí praticamente metade do país a renunciar de seu voto, a transmitir a quem quiser analisar profundamente que não há opção viável, não há mais direita ou esquerda, não há mais partidos ou grupos confiáveis, não há mais certeza de nada, ninguém consegue conquistar a confiança dos portugueses, nem os socialistas, nem os social-democratas, muito menos os democratas cristãos.
Pedro Passos Coelho, do PSD, venceu as eleições com 38% dos votos, frente 28% de José Sócrates. O CDS, terceiro melhor colocado nas eleições, direitista assumido, registrou sim uma melhora considerável frente aos últimos anos, 11% dos votos dando ao atual governo a maioria parlamentar, já que se alia ao PSD, mesmo com algumas desavenças. A grande explicação para essa descrença do povo português não está no último mandato, nem no penúltimo, vem de mais de uma década.
Portugal foi um dos países praticamente forçados a seguir a onda do Euro na virada do século. O país, como tantos outros, já passava por uma situação econômica não muito boa. No entanto, não havia muita escolha, o Euro praticamente foi imposto e Portugal viu-se obrigado a aceitá-lo. À época, um euro representava duzentos escudos portugueses. O povo português sentiu demais essa adaptação à nova moeda. Tal mudança ocorreu no segundo mandato seguido do primeiro-ministro António Guterres, do Partido Socialista. Até por esse “baque” sentido pelo povo, o PSD conseguiu vencer as eleições seguintes, com Durão Barroso como primeiro-ministro.
Ele foi responsável pelo primeiro grande movimento no sentido de conter a dívida pública, tentando estabilizar o país após o ingresso do Euro. Os social-democratas perderam muito da aceitação do povo português exatamente por causa disso, começaram a tirar benefícios do povo para tentar estabilizar a economia. Mesmo com uma rígida contenção de despesas e, comparada às últimas, bem mais leve, o PSD não conseguiu redirecionar a economia portuguesa em um dos momentos mais cruciais, onde ainda havia escolhas a se fazer, que não drásticas como mais atualmente.
[caption id="attachment_2102" align="aligncenter" width="640" caption="Manifestações reúnem mais de meio milhão de pessoas em diversas cidades de Portugal (março/2011)"]

Foi nesse momento que José Sócrates, do Partido Socialista, entrou em cena. Já com uma grande abstenção, venceu as eleições legislativas e assumiu o posto de primeiro-ministro em 2005. O engenheiro Sócrates pegou o período mais complicado das finanças portuguesas e também mostrou que não estava preparado para tal. Ao longo de seus dois mandatos, o último pela metade, José Sócrates cortou drasticamente as despesas públicas, reduziu os salários dos funcionários públicos em 60%, diminui o valor da aposentadoria, começou a suspender verbas de projetos sociais e até cogitou retirar dinheiro da saúde pública.
Se Portugal não estava preparado para o Euro, quiçá para a grande Crise Econômica. Este foi o cenário de José Sócrates, um país tentando se recuperar do Euro, mas tendo pela frente uma enorme crise. Unido a isso, notícias sobre corrupção envolvendo o governo socialista começaram a ser divulgadas. Sócrates já não contava com maioria parlamentar e, a partir de um determinado momento, a oposição deixou de aprovar suas medidas de austeridade fiscal. A oposição chegou a apoiar muitas medidas governistas, mas quando percebeu que a população estava descontente em praticamente sua maioria, decidiu se impor contra o governo.
Visões divergentes
Aí entra a interpretação de quem analisa. Há quem diga que o PSD aproveitou-se do momento crítico da economia portuguesa para chegar ao poder e há quem diga que o PSD apoiou tanto quanto pôde, até que se viu sem escolhas. A oposição forçou José Sócrates a pedir auxílio à UE, o que se fez. A partir daí, o engenheiro Sócrates renunciou ao cargo – como havia prometido caso fosse obrigado a recorrer a ajudas externas – e novas eleições foram convocadas.
Chegamos ao ponto em questão. Não foi a maioria do povo português que elegeu Passos Coelho, muito menos a maioria que deu votos ao CDS. A abstenção mostra que Portugal está politicamente frágil nas militâncias e nas convicções políticas, e não que está disposto a guinar à direita. Não há mais eleitores convictos de qual lado escolher. De um lado estão aqueles que implantaram o Euro e não souberam enfrentar a crise, tirando do povo tudo que podiam para estabilizar a economia e que queriam tirar ainda mais. Do outro estão aqueles que tiveram a chance de estabilizar a economia quando ainda havia escolhas a se fazer, quando tirar do povo o necessário para alavancar o país ainda não se fazia obrigatório.
Ou seja, os portugueses se mostram completamente desiludidos com a política, sem se importar com direita ou esquerda, não foi a maioria que elegeu o atual governo, que ainda sem apoio não seria a maioria dentro das próprias eleições. Não se pode analisar o atual momento político de Portugal tão superficialmente, apenas por resultados. Há que se ver que tanto os socialistas quanto os social-democratas estão desmoralizados, já tiveram seu espaço e não mostraram competência e honestidade. O povo português não dá sua confiança a nenhum dos dois e também mostra que evita a direita do CDS, que apesar do crescimento, ainda precisa de muito para ter força nacional. Na política, o povo português, em silêncio, grita no meio de um deserto de esperanças.
Luiz Nascimento – Estudante de jornalismo, brasileiro de nascimento, com nacionalidade portuguesa. Ligado à comunidade portuguesa de São Paulo, neto de imigrantes lusos e sempre em estreito contato com Portugal.
[...] Para ler a primeiro postagem da série, sobre o momento político português clique aqui [...]
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