terça-feira, 9 de agosto de 2011

Para entender a 'guerra civil' em Londres


Do Diário do Centro do Mundo 

Como Entender Os Tumultos De Londres
9th agosto 2011 written by Paulo Nogueira

Uma pessoa salta de um prédio incendiado nos tumultos na Inglaterra

A discussão é familiar aos brasileiros. Vandalismo nas ruas: a direita afirma que os direitos humanos como que imobilizam a polícia e facilitam a ação dos meliantes. A esquerda afirma que a exclusão social é a origem dos problemas. A verdade está parcialmente contida em cada uma dessas duas visões.
Falo dos tumultos que assombram Londres desde a noite do último sábado. O que deflagrou o caos foi a morte pela polícia de um homem negro chamado Mark Duggan no bairro londrino de Tottenham. A namorada, a família e os amigos do morto dizem que ele era um homem de bem. A polícia tem outra versão: era um traficante de drogas e membro de uma gangue criminosa. Estava sendo procurado pela polícia. A página de Duggan no Facebook parece confirmar a versão policial, consideradas algumas fotos e informações, mas a controvérsia ainda está aberta. Indiscutível é que Duggan, na quinta-feira passada, foi morto pela polícia. Ele estava num minicab – um tipo de táxi de segunda linha de Londres — quando foi abordado. Foi baleado e morto – depois de atirar primeiro, conforme diz a polícia. Não há prova de que isso tenha acontecido.

          A morte de Duggan foi o estopim do caos
No sábado, um protesto pela morte de Duggan que começara pacificamente em Tottenham acabou degenerando em violência. Fogo em veículos e prédios, saques em comércio, enfrentamento com a polícia. Nos dias seguintes, o caos se espalhou por outras partes de Londres e da Inglaterra. Pode ter havido aí, sobretudo em outras cidades que não Londres, um fenômeno que em inglês é conhecido como copycat – a imitação de crimes.
Férias importantes – agosto é o mês em que as pessoas costumam sair na Inglaterra, o auge do verão – foram abortadas. O primeiro-ministro David Cameron e o prefeito de Londres Boris Johnson retornaram abruptamente à cidade. O policiamento foi substancialmente reforçado em número e em força. Era cogitado ontem o uso de balas de borracha para enfrentar as multidões vândalas. O impasse aí é que, se houver novas mortes por uma polícia mais armada, a confusão pode crescer em vez de cessar.
Por trás de tudo está um quadro de tensão social e racial que se exacerbou, nos últimos anos, por duas razões. Uma é a crise econômica que se colou na Inglaterra e na Europa já faz alguns anos. A outra é o terrorismo islâmico – que levou o inglês médio a ver com desconfiança e desagrado gente que não pareça com ele. Imigrantes e estrangeiros passaram a ser vistos como uma espécie de ameaça.
Duggan era negro. Tottenham tem uma forte comunidade negra.
Manifestantes ouvidos pelo jornal Guardian disseram que a polícia – os feds, no jargão das ruas – trata muito mal os negros. Algumas pessoas justificaram sua participação nos protestos dizendo que simplesmente “não tinham dinheiro”.
Que os negros ocupam uma posição secundária na sociedade britânica é fato. Nos Estados Unidos, movimentos combativos nos anos 50 e 60 – liderados por gente como Malcom X – ampliaram consideravelmente o espaço dos negros. Obama é fruto disso.
Na Inglaterra, apenas em 2002 um negro ocupou um ministério pela primeira vez. Hoje, no governo de Cameron, todos os ministros são brancos. O racismo na Inglaterra jamais foi tão sinistro como nos Estados Unidos. Mas em compensação os negros entre os britânicos jamais deixaram a periferia política e econômica.
Os tumultos dos últimos dias refletem exatamente um quadro de frustração que – até aqui – era quase sempre silenciosa.


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