segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Cinema na Laje

Do Estadão

Cinema na Laje mostra a cara da periferia


Com pipoca e lanterninha, festival reúne obras de jovens da região do Jardim Ângela


08 de agosto de 2011 | 0h 00





Valéria França - O Estado de S.Paulo


O clima não poderia ser mais nostálgico. No alto de um morro, em um ponto que poderia funcionar como um mirante, será estendida hoje uma tela de projeção a céu aberto. Vai ter pipoca de graça e um lanterninha para ajudar os convidados a se acomodarem nas cadeiras de plástico para assistir à 1.ª Mostra de Cinema na Laje no bar do Zé Batidão, no Jardim Ângela, zona sul da cidade.


Tiago Queiroz/AE

Tiago Queiroz/AE

Telão. Moradores acompanham filmes e documentários independentes que foram realizados por jovens da região



Na tela, não haverá romance. O público verá filmes e documentários independentes, de baixo custo, produzidos por jovens dos arredores, que encontraram no cinema um meio de expressar a visão sobre temas que vão desde problemas sociais, como falta de moradia digna, à arte do grafite e do hip-hop.

O Cinema na Laje se inspirou na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que reúne produções independentes do mundo inteiro. "Não tem nada a ver com o que se vê nas salas comerciais de cinema", avisa o poeta Sérgio Vaz, idealizador da temporada.


Arte
. "Um evento como esse é legal porque reproduz o panorama denso da periferia", diz Daniel Fagundes, de 24 anos, curador do projeto. Estudante de pedagogia e cinegrafista, ele pertence ao Núcleo de Comunicação Alternativa (NCA), um coletivo que está na mostra com o filme Olhares Extremos, Grajaú em Cena. O documentário de 34 minutos registra a discussão sobre a influência da arte no contexto em que vivem.


E a arte tem um impacto grande na região. O cineasta Rogério Pixote, de 23, por exemplo, é um dos jovens do Jardim Ângela que todo sábado vão à redação do Papel Jornal, ONG formada por profissionais liberais que dão oficinas de texto, design e fotografia. Pixote é formado em Multimeios pela Pontifícia Universidade Católica e assina a direção de Amanhã Talvez, baseado em um conto homônimo de Vaz.

O filme conta a história de Asdrúbal, um trabalhador que sai todos os dias às 18 horas do emprego e chega às 23 horas em casa de cara cheia. Ouve queixas da mulher e se conforta em frente à TV, até que um dia encontra o anjo da morte. O primeiro trabalho do jovem diretor foi o documentário 2 meses e 23 minutos, filmado em um assentamento do MST em Itapecerica da Serra.

"Aqui na periferia temos jovens que fizeram faculdade, mas eles são os primeiros de uma linhagem que conseguiu concluir um curso superior", diz Vaz. "A mostra é uma forma de provocar. A periferia fica muito excluída dos processos culturais. Por isso, ela acontece em um bar. " Mas não em qualquer bar.

Centro cultural. O cinema será exibido na laje de José Rosa, mineiro de 63 anos, mais conhecido como Zé Batidão, que deixou seu espaço ser transformado em uma espécie de centro cultural da região. Ao lado do balcão de bebidas, há uma biblioteca com mais de mil títulos que a vizinhança pode consultar ou levar para casa e devolver depois.

No bar, toda quarta-feira, 250 pessoas ainda comparecem aos saraus literários. Entre os adeptos estão o MC e compositor Cocão, de 32 anos, que nasceu no Jardim Angela e até pouco tempo trabalhava como operário de uma grande indústria. "Sempre gostei de música, e um dia ouvi dizer que aqui no bar rolava uma coisa muito louca. Era o sarau."

Cocão só observava. "Um dia tomei coragem e fui lá na frente declamar os meus raps. E foi muito bom." Hoje, o músico trabalha com Vaz e uma equipe de 10 moradores da região, que formam uma espécie de diretoria da Coperifa, que organiza todos os eventos culturais realizados no bar do Zé Batidão.

"A ideia é incentivar as pessoas a entrar em contato com a literatura", explica Vaz. Os participantes se emocionam, choram, e descobrem que podem ser reconhecidos e valorizados pela comunidade pelo que fazem. "Um senhor veio no sarau e depois de se apresentar disse que nunca tinha sido aplaudido antes na vida", conta Zé.

O sarau está completando dez anos. E a mostra de cinema, que, foi organizada para comemorar a data, acontece todas as segundas-feiras até 5 de setembro.

ALGUNS FILMES

Vídeo e Luta Popular
O filme debate o projeto de revitalização do centro de São Paulo, além de mostrar o cotidiano de quem luta por uma moradia digna. Hoje.


Felisburgo 
A partir da invasão do acampamento Terra Prometida, em Felisburgo (MG), quando cinco trabalhadores foram mortos, o documentário fala da violência no campo e reforma agrária. Hoje.

Ficção contra a realidade
Depois de tantas dificuldades, a trupe autodenominada Fulero Circo, formada por desempregados e trabalhadores ocasionais, viajou pelo Brasil para apresentar sua peça O mistério do novo. Dia 15.


Olhares extremos - Grajaú em Cena
Artistas do distrito do Grajaú, na zona sul de São Paulo, discutem como fazer um documentário e qual o potencial de sua arte no contexto em que vivem e trabalham. Dia 22.


Tragicomédia Brasileira - O Incrível Encontro
No aniversário de 500 anos do Brasil o CETE (Centro Experimental Teatro Escola) e o ator e diretor Antônio Pedro convocam diversas pessoas para uma experimentação teatral coletiva. Dia 29.


O Sequestro da Cultura Brasileira 
Filme de ficção sobre a "alta cultura" versus a cultura das ruas. Dia 29.

Cultura de Rua - Nos tempos da São Bento
Rodado entre os anos de 2007 a 2010, é um documentário que busca a memória coletiva do hip-hop. Dia 5 de setembro.


Linha de Ação
Primeiro episódio de uma série de crônicas sobre culturas urbanas e arte coletiva nas periferias do mundo. Dia 5 de setembro.


Serviço

1ª MOSTRA DE CINEMA NA LAJE. RUA BARTOLOMEU DOS SANTOS, 797, JD. ÂNGELA, ALTURA DO Nº 1000 DA EST. DO M´BOI MIRIM. ÀS 20H, DE HOJE A 5/09.




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