Saliento dois filmes que dizem muito sobre a imprensa, especialmente a brasileira dos últimos tempos: "O Quarto Poder" (Mad City, 1997) e "A Montanha dos Sete Abutres" (Ace in the Hole, 1951). Ambos tratam dos mesmos temas: o excesso de sensacionalismo - digo excesso, pois todo formato de jornalismo é sensacionalista, ou seja, visa atingir o público por meio de sensações, porém o condenável é o abuso desmedido dessa prática - na cobertura de assuntos críticos, dilemas éticos e até que ponto o jornalista tem o poder de intervir (e controlar) situações em nome da cobertura jornalística.
N'O Quarto Poder, de Costa Gravas, o repórter Max Brackett (Dustin Hoffman, Todos os Homens do Presidente), após se desentender com um colega no ar, é mandado para o noticiário local. Passado algum tempo, Max é mandado a um museu para cobrir a possibilidade de fechamento por problemas financeiros.
[caption id="attachment_654" align="alignleft" width="300" caption="Max Brackett fala com a emissora e inicia a cobertura interna e em tempo real do sequestro"]

Ele só não contava que um dos seguranças demitidos, Sam Baily (John Travolta, Grease) por conta da redução de gastos entrará no prédio armado e fará a diretora do museu, um grupo de crianças e sua professora reféns. O repórter, que estava dentro do banheiro, começa a transmitir, ao vivo, o sequestro, auxiliado por sua assistente, a qual está fora do local. Após alguns acontecimentos, Max Brackett se vê auxiliando Sam a como lidar com a situação.
Ele quer mais que isso: fazer com que a opinião pública fique a favor do ex-segurança.
[caption id="attachment_655" align="alignright" width="300" caption="Brackett entrevista Sam Baily, de dentro do museu onde o sequestro está em andamento"]

O circo é armado fora do museu, câmeras e muitos repórteres tentam cobrir o "evento", mas somente Max tem passe livre dentro e fora do museu. Ele entrevista, durante o sequestro, Baily. Para conseguir sua posição privilegiada, é um toma-lá-dá-cá com o chefe comandante das operações. A busca incessante pelo furo, pelo exclusivo, termina drasticamente: o jornalista virou notícia.
Em A Montanha dos Sete Abutres, de Billy Wilder, a situação não é muito diferente. Um repórter mal-caráter, Chuck Tatum (Kirk Douglas), após ser demitido de vários jornais, vai bater à porta de um pequeno jornal local de Albuquerque. Após um ano de trabalho, seu chefe, Sr. Jacob Boot (Porter Hall), designa-o para cobrir uma festa de caça às serpentes.
[caption id="attachment_657" align="alignright" width="300" caption="Desde o início, Chuck Tatum se incomoda com a frase do quadro: "Fale a Verdade"."]

Porém, no caminho do evento, Chuck e seu assistente se deparam com uma situação que promete render uma boa história: um homem caçador de antiguidades, Leo Minosa (Richard Benedict) fica soterrado no desabamento de parte da ruína indígena na qual ele trabalha.
O repórter sem escrúpulos publica a história, o que começa a atrair curiosos para a local. Mas ele não para por aí. Faz um acordo com o Xerife (Ray Teal) e consegue acesso exclusivo ao lugar no qual Leo está preso.
[caption id="attachment_658" align="alignleft" width="300" caption="A multidão que canta e consome diferentes artigos em volta das ruínas onde Leo Minosa está soterrado"]

Ele também convence o coordenador da equipe de resgates a executar o procedimento mais longo para retirada do homem dos escombros (ao invés do mais simples de 16 horas, optam pelo mais demorado, de 7 dias). Enquanto isso, a mulher de Minosa, Lorraine (Jan Sterling), ganha dinheiro com a multidão que chega para acompanhar o drama de perto. A visita da reserva era gratuita, mas ao final do filme, ela custa um dólar por carro. Mais uma vez, o filme tem desfecho trágico e o jornalista cai em desgraça.
Nem preciso relacionar aqui os casos de cobertura excessivamente sensacionalista da mídia brasileira nos últimos tempos. Assistir a esses filmes é praticar um exercício de análise e reflexão profunda sobre a imprensa que temos e se ela é nosso desejo, enquanto cidadãos e jornalistas.
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ResponderExcluirExcelente texto e análise muito bem contextualizada!
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