quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Constituição, democracia e o editorial do Estadão

O jornal O Estado de S. Paulo apresenta um precedente – e tendência - perigoso em seu editorial de 18/10/2011 intitulado “O ministro tem de sair”. O texto de refere à denúncia publicada pela revista Veja contra o ministro do Esporte Orlando Silva, em um suposto caso de beneficiamento do titular da pasta com desvio de verbas do programa “Segundo Tempo”.

O denunciante, João Dias Ferreira, é ex-militante do PCdoB, o partido do ministro, e atualmente policial militar. Foi preso, em abril de 2010, durante a Operação Shaolin, que investigava repasses de verbas a ONGs ligadas ao programa Segundo Tempo. Teria recebido, por intermédio do ministério quase 2 milhões de reais para sua associação de Kung Fu.
O que choca no editorial:

“A acusação, divulgada no fim da semana pela revista Veja, deixou Orlando Silva sem condições de continuar no cargo. Ele pediu à Polícia Federal que investigue o caso, que certamente acabará nos tribunais. Mas, no âmbito da política, o princípio da presunção de inocência não se aplica nem se pode esperar que sentenças transitem em julgado”.

O art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal de 1988, é bem claro e diz que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”. A Carta Magna não faz exceções à classe política.

Um dos instrumentos fundamentais do Estado Democrático de Direito é a Constituição, afinal ela assegura que os direitos sejam assegurados e os deveres, cumpridos.

“Quem tem informação tem o poder”, manchetou o Estadão essa semana. A frase foi dita pelo então presidente da SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa), Gonzalo Marroquín, poucos momentos antes de passar o cargo Milton Coleman, jornalista do Washington Post. Ou seja, os jornais detêm o poder da informação – e nesse caso da opinião.

O jornal da família Mesquita levanta a bandeira da imprensa livre e todos os preceitos democráticos que a Constituição representa, e elogia o trabalho da SIP na construção de uma imprensa “forte e independente”, mas não se furta a ocultar um direito, uma garantia fundamental: a presunção da inocência, seja ela para quem for, quaisquer sejam a profissão, cargo e posição social do “suspeito”.

A publicação não faz mais do registrar por escrito e assinar embaixo a tendência que tem tomado conta do jornalismo, especialmente o brasileiro, há algum tempo: fazer julgamentos sumários e submeter “suspeitos” à condição de criminosos da mais baixa estirpe, legitimamente condenados pela Justiça, sem direito a recursos.

Pelo que estamos aprendendo na Universidade, no curso de Jornalismo, dar direito à ampla defesa, presumir a inocência e colaborar para a pluralidade dos fatos, buscando o máximo de indícios que nos aproxime ao máximo da verdade é o correto – e o profissional sério deve buscar essa correção com todo o esforço. Mas parece que alguns frequentaram outros tipos de escola, com outros ensinamentos. Esta aí o resultado.

Um comentário:

  1. Parece-me que houve uma interpretação simplista do trecho destacado, muito embora este, na forma apresentada, dê margem a tal interpretação.

    No âmbito político, as denúncias podem, sim, ser infundadas, por conta do jogo do poder, e isto é apurado FORA do âmbito do judiciário, sob pena de não haver condições de governabilidade. E assim é no mundo todo, CPIs servem exatamente para isto: investigar a atuação do governo. CPI não profere sentença judicial, mas suas conclusões são determinantes nas decisões políticas.

    Tomando-se a Constituição Federal, além do princípio da presunção de inocência, há também os princípios que devem nortear a Administração Pública, quer sejam: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Portanto, para se assumir um cargo público, não basta ser LEGALMENTE inocente, há que se estar MORALMENTE incólume. E aí a porca torce o rabo.

    Todos sabemos que nem tudo que é imoral é ilegal, e o conceito de moralidade é algo bastante indeterminável. Portanto, um político pode ser bem cuidadoso e cometer grandes imoralidades (segundo o senso comum da vez), sempre dentro da legalidade. E, por paradoxal que pareça, apeá-lo do poder por conta disse julgamento moral e extrajudicial é absolutamente LEGAL e CONSTITUCIONAL, não havendo que se falar em golpe (ou rasgar a constituição, o que dá no mesmo).

    O nome disto é política. E não me choca nem um pouco, pois sempre foi assim. E a imprensa sempre participou ativamente deste processo.

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