Interessante entrevista sobre a situação na imprensa internacional na cobertura dos conflitos na Líbia.
'Líbios exigem nas ruas cobertura fiel dos fatos', afirma presidente da TeleSur
A rede de notícias TeleSur, sediada na Venezuela, foi uma das primeiras equipes ocidentais a chegar à capital da Líbia, Trípoli, e a fazer matérias diretamente do país após o início dos protestos. Dois jornalistas da TeleSur, Jordán Rodriguéz e Reed Lindsay, o primeiro em Trípoli, o segundo em Benghazi - segunda maior cidade da Líbia -, têm relatado os principais fatos dos confrontos que envolvem apoiadores e opositores do líder Muamar Kadafi. Trípoli permanece sob controle do governo, enquanto Benghazi, a oeste, está nas mãos dos que querem derrubá-lo.
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Villegas assumiu a presidência da TeleSur em janeiro, substituindo o atual ministro da
Comunicação venezuelano, Andrés Izarra
Segundo Patricia Villegas, presidente da rede de notícias, a TeleSur está comprometida a realizar uma cobertura jornalística fiel aos fatos, enfrentando as dificuldades impostas pela situação: Rodríguez e seu cinegrafista só podem trabalhar com autorização e acompanhados de um funcionário do Ministério de Comunicações, por exemplo. Em entrevista ao Opera Mundi, Villegas conta detalhes sobre os bastidores e sobre a situação do país relatada pelos repórteres que comanda.
Como foi a operação de envio dos correspondentes da TeleSur para a Líbia?
Nós enviamos o jornalista Jordán Rodriguéz e um câmera para Roma que, de lá, partiriam para Trípoli. Durante dois dias, eles dormiram no aeroporto de Roma para esperar um voo disponível. Quando o voo foi aberto, pegaram o avião e foram direto à capital líbia, onde procuraram um hotel para ficar. Ao saírem para gravar, foram impedidos por forças de segurança locais, que exigiram uma permissão governamental para realizar a cobertura.
Na volta ao hotel, o jornalista e o câmera viram todos os seus pertences na recepção. A pessoa encarregada do hotel então lhes informou que eles não poderiam ficar hospedados, pois, com os conflitos, a gerência não queria se responsabilizar pelos turistas. Diante da situação, a equipe daTeleSur foi buscar ajuda na embaixada da Venezuela em Trípoli, que tem proteção nesse momento. No dia seguinte, a embaixada nos ajudou a conseguir a exigida permissão governamental, que chegou apenas depois de quatro dias. Outros veículos de comunicação e agências de notícias internacionais também estavam à espera da mesma permissão e sem aval de hotéis para hospedarem-se. Todos então foram encaminhados para o mesmo hotel, onde estão hospedados.
Desde então, mesmo com a permissão em mãos, os jornalistas só podem sair às ruas acompanhados de um funcionário do Ministério de Comunicação da Líbia. Segundo nosso correspondente, todas as reportagens, entrevistas e tomadas só podem ser realizadas na companhia de um responsável do ministério.
Os correspondentes sofreram algum tipo de censura ou repressão?
Depois de se alojar e deixar as coisas no hotel, a equipe saiu para gravar, quando sofreu a primeira retenção pelas forças de segurança do governo, que exigiram a permissão governamental para gravar na cidade, uma permissão que eles não tinham. Por isso, ficaram cerca de quatro horas retidos, tiveram de deixar as câmeras e os outros instrumentos de trabalho e só foram soltos depois de advertidos novamente que estavam proibidos de sair às ruas para fazer a cobertura sem essa permissão oficial.
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Durante os quatro dias em que aguardavam a permissão chegar, os jornalistas foram às ruas para acompanhar os protestos de perto, mas voltaram a ser retidos pelas forças de segurança do governo. Os celulares, em que gravavam imagens e entrevistas, foram confiscados. Também foram agredidos com coronhadas. Foram liberados, mas advertidos novamente sobre a mesma situação. Um dia depois, porém, um funcionário do Ministério de Comunicação informou que a permissão já havia sido dada e a entregou aos jornalistas.
Com a permissão em mãos, a equipe não sofreu mais nenhum tipo de repressão nem censura, apenas foram obrigados a submeter-se à presença do funcionário do ministério o que, para mim, é uma forma de controle. É importante enfatizar que todos os veículos internacionais que chegaram junto ou depois com a equipe da TeleSur estão sendo obrigados a ser acompanhados por um funcionário do ministério.
E como está a situação atual?
De acordo com as informações do enviado especial da TeleSur em Trípoli, em um primeiro momento não havia protestos massivos pela cidade. A situação estava mais tensa antes de a equipe chegar, e parte da cidade chegou até mesmo a ser bombardeada. Agora a tensão está principalmente nas cidades próximas da capital, onde manifestantes contra e a favor da Kadafi estão nas ruas. Assim mesmo, segundo Rodriguéz, a Praça Verde, no centro da capital, se mantém sem manifestações. Segundo os correspondentes da TeleSur e de outros veículos de comunicação internacionais, a vida na cidade chega até a parecer normal: há carros nas ruas, lojas abertas, bancos funcionando e pessoas transitando.
Já em Benghazi, onde enviamos outra equipe, capitaneada pelo jornalista Reed Lindsay, a situação é totalmente oposta. A cidade está tomada por opositores. Os dois correspondentes observaram, durante vários dias, que milhares de pessoas têm tentado deixar a cidade, principalmente pela fronteira com a Tunísia, em decorrência da atual situação do país.
Nesta segunda-feira (28/02), Kadafi acusou os meios de comunicação internacionais de não transmitirem o que realmente está acontecendo no país. Isso é verdade?
Não tenho essas informações, recebemos por meio de satélite as informações dos correspondentes, mas não sei como os meios de comunicação líbios estão se posicionando. Posso te dizer que a TeleSurestá comprometida em reportar exatamente o que está acontecendo na Líbia, em ser fiel aos fatos que ocorrem.
Portanto a acusação de Kadafi, pelo menos no que diz respeito à TeleSur, é infundada? Você acredita que ele tem algum interesse em omitir fatos recentes?
Eu não tenho como afirmar que o governo tente esconder os fatos, não tenho propriedade para isso. Não estou lá e, realmente, não conheço a atuação da imprensa líbia, apenas coordeno a cobertura à distância, de nossa sede principal. Não tenho como opinar sobre as pretensões dos atores políticos. Quanto à nossa cobertura, garanto que eles estão registrando os acontecimentos, as ações e tudo o que realmente está acontecendo.
Qual é a percepção do enviado especial em relação à população?
Rodriguéz, em Trípoli, disse que se viu diante de uma população com muita expectativa em relação ao futuro do país, uma população esperançosa, persistente e que exige dos jornalistas que transmitam ao mundo os fatos exatamente como estão acontecendo. Isso acontece também em Benghazi. Os correspondentes das duas cidades relataram que todas as vezes em que se apresentaram como jornalistas à população ouviram pedidos para que fossem fieis aos fatos e transmitissem os reais acontecimentos atuais na Líbia.
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Em Benghazi, além disso, há uma sensação de euforia com a chegada dos opositores ao poder, a população se sente livre do regime de Kadafi, mesmo sem sua renúncia. Já em Trípoli, a situação é completamente diferente na perspectiva de que é uma cidade onde ainda há o controle das autoridades.
Em sua opinião, qual é a importância de esta cobertura ser fiel aos fatos reais, como os líbios vêm exigindo?
Nos quatro cantos do planeta sempre se espera que os jornalistas contem exatamente o que está acontecendo, que contemos a verdade. Com a verdade, como dizemos, não se ofende nem se defende ninguém. Muitas pessoas podem não gostar da verdade, mas é a verdade e este tem que ser um princípio fundamental de qualquer cobertura jornalística, de qualquer meio que enfrente qualquer situação. É isso que a TeleSur está fazendo. Este é o maior compromisso que qualquer meio de comunicação tem que ter com seus usuários: dizer a verdade e registrar os acontecimentos.
Qual é a diferença entre os protestos na Líbia e as revoluções na Tunísia e no Egito? A cobertura está sendo diferente em algum aspecto?
São processos e momentos distintos. Inclusive alguns analistas dizem que o que aconteceu na Tunísia e no Egito não diretamente relacionado o que está acontecendo na Líbia, mas isso é uma das várias interpretações de especialistas. Ao mesmo tempo, algumas semelhanças são nítidas, os três países passaram por fortes protestos organizados pelo próprio povo e enfrentamentos entre forças de um estado contra a população.
Do ponto de vista jornalístico também são ambientes totalmente distintos. Na praça Tahrir, no Cairo, por exemplo, havia inúmeras agências de notícias que se mantiveram ao lado dos manifestantes para reportar exatamente o que estava acontecendo, muitas vezes até mesmo ao vivo. Na Líbia, porém, não há essa possibilidade, não há segurança para os jornalistas ficarem 24 horas nas ruas, nem permissão para isso. Só o fato das equipes serem obrigadas a acompanhar um funcionário do ministerio das Comunicações já faz a cobertura ser diferente, já que assim estão restritos as exigências e proibições do encarregado.
Em Benghazi, uma vez que a cidade foi tomada pelos opositores, a situação para os correspondentes é um pouco mais favorável. Mesmo assim, são dois tipos de cobertura fudamentalmente diferentes.
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