quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Andar de ônibus em São Paulo

Após dias seguidos de um calor abominável, cai a chuva sobre a grande capital. O indivíduo está no ônibus. Em uma posição desconfortável, escora-se de forma precária sobre as grades de apoio de antes da catraca, imediatamente ao lado do cobrador. Mais um dia comum. A cada ponto que vai passando, o veículo enche cada vez mais. Pessoas retornando de seus trabalhos, estudos, passeios. A chuva aumenta. Os grandes pingos de água açoitam as janelas e começam a entrar no ônibus. Reação unânime e imediata: começa-se a lacrar as janelas. Todos os temores de epidemias de gripes suínas parecem ter sido afastados da vista do grande público: no jornal não fala mais, portanto acabou. A temperatura dentro da abominável lata de sardinhas vai subindo: são mais de sessenta aquecedores-humanos a uma temperatura de 36,5 °C. Os vidros começam a embaçar. Os vapores de muitas respirações se misturam. Há um cheiro no ar. Pior do que sujeira, o odor é do descaso, penetra até o ponto mais fundo da alma. Ali, naquele local, seres humanos que pagam um alto valor para circularem por vias esburacadas e cheias de água são obrigados a permacerem de pé, desconfortáveis, imundos, respirando um ar quente, pesado, opressor. O indivíduo observa seus semelhantes. Até que ponto toleram? Cada um com seus pares de fones de ouvido. Alguém atende o celular. Há uma conversa entre dois conhecidos. A chuva vira uma garoa. Mesmo após cessada a queda de água algumas pessoas não abrem as janelas que lacraram. A apatia é tamanha que nem o calor horroroso parece incomodar mais. O indivíduo observa atônito, sem poder fazer coisa alguma. Sua mochila pesa. Ao seu lado há alguns idosos, cujos lugares garantidos por lei estão ocupados por alguém que se julga mais cansado do que aqueles que trabalharam durante muitos e muitos anos. Entra uma mulher com uma criança de colo. O cobrador se levanta:

- Alguém, por favor, podia dar o lugar pra senhora com a criança?

Há um banco ocupado por um homem e uma mulher. A mulher se levanta e dá lugar à sua companheira que traz nos braços um pedacinho de gente que ainda não pode compreender como funcionam as coisas por aqui. O homem que ocupa o lugar preferencial e que não fez menção alguma de ceder o seu lugar finge que não ouve o cobrador:

- De preferência o homem, né?

Chegamos ao destino final. Cada um desembarca e segue solitário, sem se revoltar ou ter qualquer atitude de indignação. O indivíduo que pensou durante sua viagem desce também. O que fazer? Por ora, não há nada o que fazer. Disse bem: por ora.

2 comentários:

  1. Pelo jeito essa coisa da janela também de revolta né?
    Eu não aguento ver a janela fechada em dias de chuva, sem que seja um pouquinho, por mais que esteja de chapinha eu abro!hahaha.
    E eu fico pensando que não há mais cavalheiros nesse mundo talvez nem se o cobrador cutucasse o cara ele levantaria...um absurdo.

    bom post.
    bjos!

    ResponderExcluir
  2. Ahhh, isso é o começo. Depois você terá muitas outras queixas... Terá um dia que vc estará tão cansado, mas tão cansado que daria quase qualquer coisa pra alguém apenas seguirar sua mochila, e isso não vai acontecer. Você ainda tem muita sorte, por ser homem. Não tem que ficar aguentando um bando de filhas da puta se encostando, aproveitando-se de você, por não ter espaço. Você vai ficar furioso quando te roubarem o celular. Quando roubarem o segundo, você vai ficar mais puto ainda... Eu sou das pessoas mais revoltadas sobre a questão 'transpote público'. E ainda, o povo idiota, imbecíle sem noção, além de não se movimentar, ainda votam em uns cuzões que aumentam a passagem. =D É uma delícia, um deleite. Espero! Só nos resta isso... estudar, trabalhar, comprar o nosso carro com ar condicionado e seguir a nossa vida, esperando um dia esquecer desse passado cruel, assim com várias pessoas... Agiremos pelos que usaram onibus enquanto estaremos dirigindo nossos civics fodões? Deixando a hipocrisia de lado: Eu acho que não. E isso continuará assim, num ciclo vicioso, até matarmos o primeiro prefeito a facadas. (Já que a guilhotina caiu em desuso)

    ResponderExcluir