Revista Família Cristã - Ed. 06/2010
Por Laurindo Leal Filho
Jornais ou partidos políticos?
"Cidadãos têm votos. Jornais não. Contudo, se o Guardian votasse nas eleições gerais de 2010 o faria entusiasticamente nos Liberal-Democratas." Com essa frase o tradicional jornal britânico The Guardian abriu seu editorial no sábado, em 1ºde maio, cinco dias antes das eleições para a Câmara dos Comuns britânica, correspondente à nossa Câmara dos Deputados.
Trata-se de uma prática habitual na Europa, essa de os jornais revelarem claramente sua posição antes das eleições. Aqui isso ainda é raro. Só recentemente duas publicações inovaram: o jornal O Estado de S. Paulo, apoiando candidatos do PSDB, e a revista Carta Capital, os do PT. As demais seguem mudas, insistindo numa neutralidade que se revela falsa a cada dia, tornando-se verdadeiros partidos clandestinos.
Antes do golpe de 1964, quando o número de jornais existentes era muito maior, praticamente todos se alinhavam com correntes político-eleitorais específicas. No Rio de Janeiro, por exemplo, o Correio da Manhã acompanhava o PSD; o Diário de Notícias, a UDN; e O Globo filiava-se às posições ainda mais à direita. Por sua vez o Jornal do Brasil caminhava pela centro-direita, restando ao jornal Última Hora a defesa das causas populares, acompanhando o PTB. Havia um leque com vários, aberto à escolha do leitor. E ninguém comprava gato por lebre.
Papel da oposição - Hoje é diferente. O leque fechou e as escolhas, quando existem, são feitas entre veículos que praticamente não se diferenciam. No Rio de Janeiro, reina O Globo, com a mesma linha presente desde suas origens. Em São Paulo, quantas vezes Estado e Folha de S. Paulo aparecem com manchetes quase iguais, fotos idênticas na primeira página e um alinhamento político semelhante? Ambos assumem o papel da oposição ao atual governo, com o mérito de o Estadão pelo menos deixar isso explícito.
Essa partidarização foi revelada pela própria Maria Judith Brito, presidente da ANJ (Associação Nacional de Jornais), entidade que reúne as grandes empresas jornalísticas brasileiras. Para ela, "os meios de comunicação estão fazendo, de fato, a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada". Ou seja, se antes de 1964 os jornais eram porta-vozes dos partidos, agora ocupam o lugar dos próprios partidos.
Dessa forma, o processo democrático se fragiliza. Além de os veículos de comunicação deixarem claras suas posições, é necessária uma oferta maior de opções para o público. É preciso mais jornais e revistas que deem voz aos que hoje não têm voz. Pena que não há como setores politicamente fortes, vinculados às camadas populares, mas economicamente frágeis, estabelecerem algum tipo de concorrência com as grandes empresas de comunicação.
A saída é a presença do Estado, ainda que de maneira apenas indutiva, estimulando a comunicação alternativa. A asfixia do debate público não é sentida apenas por aqui. Até na Alemanha, um pensador como Jürgen Habermas, partidário da ideia do espaço público como arena do debate democrático, diz, por exemplo, que "quando se trata do gás, da eletricidade ou da água, o Estado tem a obrigação de prover as necessidades energéticas da população. Por que não seria igualmente obrigado a prover essa outra espécie de 'energia', sem a qual o próprio Estado acabaria avariado?". Por que não?
Laurindo Lalo Leal Filho é sociólogo e jornalista, professor da Escola de Comunicações e Artes da USP (Universidade de São Paulo). É ouvidor-geral da EBC (Empresa Brasil de Comunicação), gestora da TV Brasil, e apresentador do programa VerTv, transmitido pela TV Brasil e pela TV Câmara.